segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Sobre o que os obscurantistas pensam da arte contemporânea.

"Apeles, o célebre pintor da antiguidade que, escondido atrás de uma cortina, escutou o comentário feito por um sapateiro a respeito das sandálias que tinha pintado. Apeles aceitou a crítica e modificou as sandálias. No dia seguinte, o mesmo sapateiro criticou a forma da perna. O artista respondeu então com a frase que se tornou famosa: e sutor ultra crepidam, “o sapateiro não deve ir além das sandálias”. Essa frase, sem dúvida um pouco brutal – e que até poderia ser aplicada a mim próprio esta noite –, não quer dizer que um sapateiro não pode opinar sobre uma obra de arte, mas que quando se trata de um assunto diferente da sua atividade profissional, é preciso ter outros critérios: ou seja, um sapateiro, como sapateiro, somente pode falar sobre sandálias." (Romildo de Rego Barros)
Vejo nas redes sociais, compartilhamentos de uma foto de uma performance em que artistas tem velas enfiadas no ânus. Nas legendas, as "análises" mais superficiais possíveis acompanhada com a "clássica" pergunta "Isso é arte?" Alguns até se antecipam e afirma taxativamente "isso não é arte!"
Será que se as velas estivessem em outro local do corpo, na boca ou debaixo do braço, estas mesmas pessoas fariam a mesma pergunta? Então todo o problema da arte contemporânea está em uma vela enfiada no cu?
Então o debate sobre arte é um debate moral? Se assim for, vamos discutir as belíssimas igrejas barrocas brasileiras, pérolas da arquitetura nacional, e como elas foram construídas sobre o lombo do negro africano escravizado?
Então o debate é religioso? Sendo assim, vamos levantar o problema de que todas as vezes em que a estética cristã se impôs (através da força) como estética hegemônica na arte se deu sobre um artista na condição de escravo ou semi escravizado? Desumanizado?
Alguém que leva a arte minimamente a sério, sabe que a análise de uma proposta de arte não é feita de forma superficial baseada em fotos ou videos editados e publicados por pessoas com objetivos escusos. Para se tirar uma ideia sobre tal proposta deve-se pelo menos ler sobre a obra, o que o autor propõe, o que especialistas disseram sob as mais diversas óticas. E se quer ser mais profundo ainda deve-se ter uma conhecimento minimo de história da arte, estética, filosofia da arte... Mas isso, como disse, para uma análise mais profunda e técnica. De um modo geral deve-se ter responsabilidade e bom senso.
Este debate tosco que vem sendo suscitado por pessoas ligadas a milicias neofascistas e a políticos corruptos neopentecostais, tem como objetivo levantar uma cortina de fumaça sobre a situação em que o capitalismo tem mergulhado a classe trabalhadora brasileira, com seus direitos sendo suprimidos.
Me parece também que querem tirar o foco sobre a farsa da "Lava-Jato", que já teve seu objetivo alcançado, o golpe institucional que levou Michel Temer á presidência, e agora, quando inevitavelmente pegariam os grandes larápios de partidos de direita mais autênticos como PSDB e PMDB, precisa acabar.
Tem também outro objetivo escuso que é o de criar um clima de instabilidade moral, para que se possa formar a base social para um possível golpe militar. Golpe este que viria para encobrir a corrupção, e proteger os grandes corrutos e corruptores, e caso haja um levante popular contra as reformas trabalhistas.
O mais impressionante é ver artistas reconhecidamente qualificados entrando nesse mar de falso moralismo e superficialidade. Apoiariam estas figuras o resultado desta patrulha obscurantistas que por conveniência ora defendem? A censura à arte dita "degenerada"?
Paciência!